domingo, 30 de maio de 2010

'04:39'

São 04h39min da manhã. Uma janela se abre no sexto andar de um edifício na zona sul de São Paulo. Um garoto moreno, na casa dos vinte anos, razoavelmente alto e magro aprecia a vista, enquanto traga um cigarro.
- Insônia? - disse outro rapaz moreno, também na casa dos vinte anos, só que mais alto e forte e que o olhava da porta do quarto.
- Pior. Dor de dente - puxando mais um trago do cigarro.

O garoto da porta se aproxima e o pega pela cintura. O que está fumando usa a mão desocupada para acariciar a nuca do outro.
- Vou pegar uma bebida para nós. Quem sabe, te faça esquecer essa dor chata.
- Aceito aquele vinho que tomamos ontem durante o jantar. Aproveita e traz o cinzeiro para mim, por favor? - esboçando um sorriso de canto de boca.
- O que vossa senhoria desejar - fazendo uma reverência.
- Bobo...

Segundos depois, ele volta apenas com o cinzeiro.
- Não quero que você suje o tapete, acabei de trocar.
- Sorry, Mr. Polite - num tom de zombaria.
- Fuckoff, bastard - mostrando a língua.

O cigarro acabou e ele ainda não tinha voltado com o vinho, João foi até a cozinha.
- Pedro, cadê o... Vinho?

Pedro havia arrumado a mesa e, no centro dela, colocou um castiçal.
- Era surpresa, você chegou tarde e reparei que não tinha comido nada.
- Droga, pensei que tinha sido discreto.
- Você nunca foi, mas me diga, por que chegou tão tarde?
- Já te contei como fica a redação no final do mês. Depois que mandamos a revista para a gráfica, o pessoal resolveu dar uma festa. Devo ter bebido duas cervejas, no máximo.
- Que agora serão misturadas com vinho.
- Estou em casa e do teu lado, qual o problema de uma leve embriaguez?
- Surpreendo-me com você. Sempre com a resposta na ponta da língua.
- Hábitos da profissão, meu caro - mostrou um sorriso torto.
- Sei... O poder de persuasão também é da profissão?
- Não, é charme mesmo. O que teremos para o lanche noturno?
- Macarrão com queijo. Aquele que você tanto ama.
- E que só você sabe fazer.
- Qualquer um faz igual - exibiu uma cara de indiferença.
- Ainda tenho minhas dúvidas. Afinal, não sei se todas, ou todos, possuem um moreno alto e forte que cozinhe melhor que o namorado.
- Chega de elogios por hoje, daqui a pouco vou suspeitar que já esteja bêbado.
- Tu sabes que nunca fui forte para bebida. Ao contrário de você, senhor dos destilados.

Pedro desligou o forno e aproximou-se, João o encarava com um sorriso sacana.
- Sei o que você está pensando e eu não deveria ceder a esse desejo.
- Quando um não quer, dois não brigam - sorrindo.
- Você me entorpece - Pedro sussurou no ouvido de João e ele estremeceu.
- Faço das suas, as minhas palavras, tigrão.
- Malandro, sempre sabe ganhar no jogo da sedução.
- Aprendi com você.

domingo, 23 de maio de 2010

'20:26'

- Não.
- Não, o que?
- Não quero.
- O que você não quer?
- Não quero que você vá.
- Mas preciso ir.
- Quem disse?
- Hm, o relógio.
- Quero que ele pare de funcionar! Já disse para você abdicar da modernidade.
- Impossível.
- Então é impossível?
- Sim.
- Farei greve de sexo, veremos o que se tornará impossível, meu caro.
- Não se atreva!
- O que vai fazer? Bater-me?
- Quem sabe algo pior.
- Do tipo?
- Te asfixiar.
- Já disse, abdica da modernidade e a greve nem precisa começar.
- Também já disse. É impossível.
- Por que?
- Porque já me casei com ela. Você não passa de um simples amante que preenche o meu ócio dominical.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

'Monólogos de Caio: despedida'

Bom, nunca me dei bem com despedidas. Acho que é isso. Por favor, não me chame de frio, muito menos de iceberg. Na verdade, estou me despedindo para te fazer feliz. Não posso me prender a você, sendo que é quase impossível te ter. Não, não chore. Sabe, você era meu porto seguro. Depositava em ti, todas as minhas loucuras, anseios e desgostos. Te abracei, te amei, chorei demais em teus braços. E não me arrependo de nada. Entenda que quero o teu bem, sempre quis. Você não vai sofrer mais do que eu, sofreremos de maneira igualitária. Mas, longe um do outro. Porém, garanto que você conhecerá uma pessoa maravilhosa, porque você é uma e merece isso. Terá filhos e eles correrão pela casa, num domingo à tarde, enquanto você prepara o churrasco. E eu? Estarei bem, pode ter certeza. E por último, lembre-se que, sempre fui seu. Com amor, Caio.

'Young Lecter'

terça-feira, 18 de maio de 2010

segunda-feira, 17 de maio de 2010

'Monólogos de Caio: medo'

Tenho medo, alías, quem não tem? Tenho medo da verdade. Do ontem e do amanhã, do hoje não, ele é muito recente. De ser só "aquele amigo". De me declarar para a pessoa que desejo. De perdê-la para outra. De me impor. De ser substituído. De amar. De abrir o coração e ele ser despedaçado novamente. De adoecer e não poder viver do jeito que quero. Medo de envelhecer e ver que a minha juventude foi jogada como cinzas ao vento. Medo de escrever alguma besteira. De tomar a decisão certa, mesmo sabendo ela é a errada. Medo de errar. De decepcionar quem amo, principalmente aquele, que vai viver comigo enquanto o destino desejar. Medo da morte, não sei o que virá depois dela, não sei se vou para o purgatório ou para o paraíso. Medo de ficar com as pessoas erradas e descartar as boas. Medo do mundo, do aquecimento global, do capitalismo e das pessoas egoístas. Medo da vida! De viver rápido demais e morrer jovem. Medo de ficar sozinho, virar um velho mal humorado, gordo e que só sabe reclamar da vida. Medo do amor, aquele sentimento que te cega e o deixa fazer as piores merdas, Mas, ainda quero amar. E por último, medo da minha mente. Do que ela pode me fazer pensar, ver, sentir... Desejar.

'She's Lost Control'

sexta-feira, 7 de maio de 2010

'Monólogos de Caio: não'

Você acha que estou feliz com isso? Acha que trato todos com desdém e fico feliz? Sabia! Você não me conhece. Não sabe distinguir quando me sinto ameaçado ou quando estou na vantagem. Se eu não te contar, você nunca vai adivinhar quando estou bem ou não. Por que não te conto? Não gosto de parecer fraco para os outros. Já fui pisoteado emocionalmente e esconder esses sentimentos é um jeito de me defender. Defender-me dos hípócritas, claro.