sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

'Michael'

Michael nasceu deficiente visual, devido a um problema durante a gravidez de sua mãe, ninguém sabe ao certo qual foi. Quando nasceu mal abria os olhos, e se fazia era por dois minutos no máximo. Michael foi diagnosticado com cegueira aos quatro meses, pois, quando engatinhava esbarrava nos móveis mais baixos. Não posso afirmar que ele tivera uma infância ruim ou até mesmo triste. Recebeu muito amor de seus pais e parentes, que estavam sempre por perto para ajudá-lo.

Uma coisa é certa, ele não tinha muitos amigos. A maioria era um bando de hipócritas (sim, hipocrisia existe até mesmo na infância) e idiotas com medo de pegar a cegueira por contato físico. Tolos. Mas neste ponto, Michael mostrava-se excêntrico. Não ligava para o que os outros pensavam, ficava analisando a situação pelos tons e cheiros. Ele sentia o cheiro da vergonha, da inveja, do ciúme e da raiva. Todos eles envasados em um único ambiente, o que deixava o ar viciado em sentimentos ruins. Em consideração aos tons, bem, Michael até que gostava deles. Adorava quando as crianças berravam, implorando por uma fralda nova ou até mesmo por comida. Neste aspecto, ele achava-se forte porque nunca berrara tão alto para pedir algo, já que sua mãe e ele mantinham uma ligação espiritual muito forte, pois ambos sabiam a hora de cada um.
 
Enfim, anos foram passando e ele desenvolvia-se como uma criança normal, feliz e bem cuidada, com uma maturidade a mais que as outras, o que era de se esperar por causa de sua doença. Invernos foram passando, dando a chance para as primaveras brilharem em suas cores exóticas. Numa bela tarde cinzenta de abril, Michael encontrava-se em seu quarto escutando LPs antigos, quando sua mãe subiu correndo as escadas e bateu a porta com força. Ele ficara assustado e perguntou atordoado o porquê de tal algazarra. Sua mãe sentou-se com ele na cama. Ele podia ouvir o barulho que as lágrimas faziam quando escorriam dos olhos dela e isso o deixou muito mais assustado.
Desesperado por uma resposta sacudiu sua mãe e ela começou a chorar com mais intensidade e falou entre um suspiro e outro que conseguiram um transplante de córnea para ele e que agora poderia ver o mundo com olhos e não mais com os ouvidos. A felicidade foi tanta, que Michael permaneceu atônito em sua cama, paralisado pelos pensamentos que ele achava que nunca iriam se realizar.
Muitos médicos assistiram ele durante os exames pré cirúrgicos, ou seja, Michael estava nas melhores mãos. Correu tudo bem no centro cirúrgico, sua operação foi um sucesso e comoveu muitas pessoas, já que agora, eles eram responsáveis pela felicidade dele. Permaneceu com ataduras na região dos olhos por alguns dias, o que o deixava mais e mais ansioso.
No dia da retirada, todos os parentes se reuniram no quarto para presenciar tal feito. Apreensivo e cauteloso, Michael ouvia e sentia claramente as respirações profundas e o cheiro de lágrima. Quando o médico começou a tirar as ataduras, ele começou a entrar em pânico, apertou bem os olhos e fez um trato consigo de só abri-los quando o médico autorizasse. Então veio o pedido, quando abriu os olhos, estranhou aquela luz intensa e aqueles vultos mal formados. Ai foram só lágrimas, só que de alegria. Ele saiu do hospital alguns dias depois e resolveu que seu primeiro passeio seria num cinema da cidade, assistir qualquer filme, ter o prazer de apreciar algo.
Andando pelas ruas da cidade, Michael prendia-se aos detalhes da natureza. Ao movimento que as árvores faziam quando eram tocadas pelo vento, pelo verde que elas refletiam quando a luz do sol iluminava seus ramos. Mas de repente, deparou-se com uma cena horrível. Viu uma mulher sendo assaltada por dois meninos. Correu em auxílio, mas nada pode fazer. Os meninos o jogaram no chão e chutaram-lhe a face. Ensaguentado e perturbado, chegou em casa aos berros, dizendo que preferia ter ficado cego sua vida inteira do que ter que presenciar tais ocorrências. A verdade era uma só, Michael não aguentava a realidade. Não aguentava a crueldade que certas pessoas exercem sobre outras, não aguentava ter que conviver com a pobreza, com a injustiça, a fome e a humilhação de alguns para conseguir um pedaço de pão.
Seus pais tentaram lhe reconfortar, mas não adiantou. O estrago estava feito. Ele trancou-se no banheiro, abriu o pequeno armário, pegou o frasco que continha seus remédios tarja pretas e ali mesmo, teve sua morte ocasionada por uma overdose de calmantes.

Um comentário:

Milla disse...

Caramba, é pra chorar ou o quê com esse post?? =O